Em 30/12/2022, foi promulgada a Medida Provisória nº 1.153/22 que, dentre vários temas, trouxe alterações relevantes relacionadas ao seguro de transportes de cargas.

Considerando a complexidade do tema e devido as mudanças conceituais significativas no ambiente regulatório e no panorama do mercado, após algumas rodadas de discussões, referida Medida Provisória foi finalmente convertida em lei (Lei nº 14.599/23).

A nova lei 14.599/23 entrou em vigor em 19 de Junho de 2023 e mesmo após 6 meses de sua vigência ainda está gerando bastante discussão no mercado embarcador (proprietário da mercadoria), transportador e segurador.

Em busca de simplificar o entendimento da nova lei, divido abaixo a explicação em 3 partes:

  • a) Legislação – o que muda com a nova lei?
  • b) Visão de risco – o que muda com a nova lei?
  • c) Discussão comercial em cima do Ad Valorem

Legislação – o que muda com a nova lei?

Uma das alterações mais importantes trazidas pela Lei nº 14.599/23, que alterou a Lei do Transporte Rodoviário de Cargas (Lei nº 11.442/2007), é a obrigatoriedade de contratação, pelos transportadores, de seguro de (i) Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C), (ii) Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC), e (iii) Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V), conforme disposto em seu art. 13[i].

O RCTR-C refere-se aos riscos de danos a carga oriundos de acidente com o veículo transportador.

O RC-DC refere-se aos riscos de roubo da carga sempre concomitantemente com o veículo transportador.

O RC-V refere-se aos riscos de danos a terceiros, sejam eles corporais ou materiais, oriundos de acidente com o veículo transportador.

No final deste artigo estão replicados os trechos da nova lei 14.599.

Importante ressaltar que a referida Lei entrou em vigor na data da sua publicação, sendo assim, a obrigatoriedade da contratação destes seguros pelos Transportadores, se deu com efeito imediato, ou seja, já está valendo desde 19 de Junho de 2023.

As DDR´s (Dispensa de Direito de Regresso) não estão proibidas de serem emitidas no programa de seguro do embarcador, porém, a emissão da mesma não isenta o transportador da obrigatoriedade de averbar a operação em suas apólices obrigatórias de RCTR-C e RC-DC.

Nesta fase de transição, as seguradoras estão mantendo a exclusão de averbação apenas das DDR´s e estipulantes que já estavam vigentes e devidamente exclusas das apólices do transportadores antes de 19 de Junho de 2023.

Será comum neste momento ainda usarmos a nomenclatura do RCF-DC, que traz o “f” de facultativo, ao invés do RC-DC, pois os produtos das seguradoras ainda serão ajustados, mas o segurado pode ficar tranquilo quanto ao conteúdo de cobertura securitária, pois atende a lei.

Visão de risco – o que muda com a nova lei?

Anteriormente a lei 14.599, o transportador podia analisar a DDR que recebia do embarcador, verificar se conseguia cumprir a mesma, pedir ajustes caso fosse necessário, mas o principal ponto é que podia enviar esta DDR para a sua seguradora e buscar a exclusão do risco deste embarcador e consequentemente não ter a necessidade de averbação.

O mesmo processo acontecia com a emissão de estipulantes de RCTR-C, onde também enviava para a sua seguradora e pedia a exclusão do risco em questão e consequentemente não precisava averbar em sua apólice de RCTR-C, porém, devia averbar a carga nesta apólice de estipulação.

Com o processo acima, o transportador assumia diretamente o risco de sofrer uma ação de regresso da seguradora contratada pelo embarcador por conta de algum descumprimento das obrigações escritas na DDR.

Com a nova lei 14.599, a principal mudança é que o transportador não pode mais enviar a DDR para exclusão de cobertura, e a estipulante não existe mais. Desta forma, os riscos em caso de ação de regresso serão acionados e regulados conforme condições contratadas no RCTR-C e RC-DC.

Importante neste momento o transportador revisar as DDR´s, se atentar aos itens de gerenciamento de riscos que precisa estar adequado e buscar o alinhamento de ajustes no documento para que consiga administrar a regra de gerenciamento de riscos (PGR) em conformidade com o PGR de sua apólice de RC-DC.

O trecho abaixo da nova lei dá força ao transportador para esta negociação do PGR – Plano de Gerenciamento de Riscos, presente em cada DDR/operação.

1º Os seguros previstos nos incisos I e II do caput deste artigo deverão estar vinculados a Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR), estabelecido de comum acordo entre o transportador e sua seguradora, observado que o contratante do serviço de transporte poderá exigir obrigações ou medidas adicionais, relacionadas a operação e/ou a gerenciamento, arcando este com todos os custos e despesas inerentes a elas.

O transportador também deve deixar devidamente registrado junto ao embarcador que tem interesse de manter o seu programa de seguros, quem acionará e fará a indenização dos sinistros. Se o embarcador está mantendo o seu programa de seguros, partisse do pressuposto que ele continuará acionando o seu seguro e recebendo a indenização por lá, mas é importante o transportador deixar isto devidamente alinhado e registrado.

Discussão comercial em cima do Ad Valorem

O Ad Valorem é justamente o custo de riscos inerentes a acidente, avarias, roubo da mercadoria e a administração do seguro que irá cobrir estes riscos quando está sob a responsabilidade da transportadora, ou seja, podemos dizer que é justamente o custo direto (taxa do seguro) do seguro da carga, os custos relacionados a administração deste seguro (exemplos são: averbação, controles para cumprimento das regras de apólice) e eventuais franquias que tenha de absorver diretamente junto ao embarcador.

Já o GRIS é o custo de segurança da carga, composto pelos custos de prevenção para minimizar os riscos de acidente, avarias e roubo com a carga.

Tanto o Ad Valorem quanto ao GRIS devem fazer parte da formação do preço de frete.

Desta forma, quando o transportador recebe uma DDR, o PGR incluso na mesma está ligado diretamente ao GRIS daquela operação, e a cobertura daquela DDR está ligada diretamente ao Ad Valorem.

Importante observar que o seguro de carga possui franquia para indenização, os riscos de acidente tem medidas de prevenção específicas que normalmente não são descritas no PGR das DDR´s, dependendo do tipo de operação podem existir responsabilidades específicas de carga e descarga, cuidados adicionais durante o transporte das mercadorias, os riscos e medidas de prevenção também mudam de acordo com a região de rodagem, distâncias percorridas, entre outros fatores, porém, para não me alongar neste artigo, tratarei de forma mais simples os impactos do Ad Valorem e GRIS com base na DDR.

Pelo motivo exposto acima, antes da nova lei 14.599, não existia como zerar a cobrança do Ad Valorem, pois existem riscos que o transportador possui em sua responsabilidade e desta forma não pode zerar o mesmo.

Com a nova lei 14.599, agora o transportador tem obrigatoriamente uma taxa de seguro a pagar, pois não pode mais zerar a sua averbação.

É neste ponto que está a grande discussão atual de mercado, pois o transportador agora tem um custo adicional e o embarcador não quer aumentar substancialmente os seus custos de frete. Desta forma, existe uma grande discussão sobre qual será o valor ideal de Ad Valorem que será equalizado nesta negociação de frete.

Como consultor de seguros, entendo que o valor ideal deve ser combinado considerando características de riscos e responsabilidades da operação, alinhamento do PGR a ser seguido, levar em consideração a qualidade e segurança que a operação possui, e por fim ambas as partes terão de ceder um pouco para chegar na devida equalização.

Ainda teremos mais uns 6 meses de acomodação deste assunto, mas é algo que veio para ficar e precisará de adequação de todos os envolvidos no processo, sejam eles embarcadores, transportadores e a cadeia de seguros.

Agradeço a sua atenção e espero ter auxiliado o mercado com este artigo.

Caso você tenha alguma dúvida ou precise de esclarecimentos adicionais, não hesite em entrar em contato conosco na Alper Consultoria em Seguros.

Deixo abaixo meus contatos.

Fernando Takezawa
Diretor de Produção – Alper Cargo

Replicação dos trechos da nova lei 14.599

Art. 13. São de contratação obrigatória dos transportadores, prestadores do serviço de transporte rodoviário de cargas, os seguros de:

I – Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C), para cobertura de perdas ou danos causados à carga transportada em consequência de acidentes com o veículo transportador, decorrentes de colisão, de abalroamento, de tombamento, de capotamento, de incêndio ou de explosão;

II – Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC), para cobertura de roubo, de furto simples ou qualificado, de apropriação indébita, de estelionato e de extorsão simples ou mediante sequestro sobrevindos à carga durante o transporte; e

III – Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V), para cobertura de danos corporais e materiais causados a terceiros pelo veículo automotor utilizado no transporte rodoviário de cargas.

Parágrafo único. (Revogado).

1º Os seguros previstos nos incisos I e II do caput deste artigo deverão estar vinculados a Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR), estabelecido de comum acordo entre o transportador e sua seguradora, observado que o contratante do serviço de transporte poderá exigir obrigações ou medidas adicionais, relacionadas a operação e/ou a gerenciamento, arcando este com todos os custos e despesas inerentes a elas.

2º Os seguros previstos nos incisos I, II e III do caput deste artigo não excluem nem impossibilitam a contratação facultativa pelo transportador de outras coberturas para quaisquer perdas ou danos causados à carga transportada não contempladas nos referidos seguros.

3º O seguro de que trata o inciso III do caput deste artigo poderá ser feito em apólice globalizada que envolva toda a frota do segurado, com cobertura mínima de 35.000 DES (trinta e cinco mil direitos especiais de saque) para danos corporais e de 20.000 DES (vinte mil direitos especiais de saque) para danos materiais.

4º No caso de subcontratação do TAC:

I – os seguros previstos nos incisos I e II do caput deste artigo deverão ser firmados pelo contratante do serviço emissor do conhecimento de transporte e do manifesto de transporte, sendo o TAC considerado preposto do tomador de serviços, não cabendo sub-rogação por parte da seguradora contra este;

II – o seguro previsto no inciso III do caput deste artigo deverá ser firmado pelo contratante do serviço, por viagem, em nome do TAC subcontratado.

5º Os seguros previstos nos incisos I e II do caput deste artigo serão contratados mediante apólice única para cada ramo de seguro, por segurado, vinculados ao respectivo RNTR-C.

6º Para fixação dos prejuízos advindos à carga transportada, deverá ser realizada a vistoria conjunta, pelo contratante do frete e pelo transportador, bem como pelas respectivas seguradoras, quando couber, consoante o disposto no parágrafo único do art. 7º desta Lei.

7º Todos os embarques realizados por transportadores, pessoas físicas ou jurídicas, devem possuir as devidas coberturas securitárias nos termos e condições deste artigo.

8º O proprietário da mercadoria, contratante do frete, independentemente da contratação pelo transportador dos seguros que cobrem suas responsabilidades previstos nos incisos I e II do caput deste artigo, poderá, a seu critério, contratar o seguro facultativo de transporte.

nacional para cobertura das perdas e danos dos bens e mercadorias de sua propriedade.

9º O proprietário da mercadoria poderá, na contratação do frete, exigir do transportador a cópia da apólice de seguro com as condições, o prêmio e o gerenciamento de risco contratados.

Art. 13-B. Ficam os embarcadores, as empresas de transporte e as cooperativas de transporte, sob qualquer pretexto, forma ou modalidade, impedidos de descontar do valor do frete do TAC, ou de seu equiparado, valores referentes a taxa administrativa e seguros de qualquer natureza, sob pena de terem que indenizar ao TAC o valor referente a 2 (duas) vezes o valor do frete contratado.